TDAH: desafios da doença no adulto
- Felipe Vigarinho
- 13 de jul. de 2024
- 4 min de leitura

Imagine que você é recrutador de uma grande empresa, e tem a missão de conseguir um Gerente que ficará responsável por uma área estratégica - cargo de muita responsabilidade. Você chama o primeiro candidato, e percebe no histórico que ele terminou o colégio atrasado (repetiu 2 anos), e que demorou o dobro do tempo habitual para terminar a faculdade. Na entrevista, fica claro que ele tem dificuldades para manter o foco em uma atividade por muitos minutos, esquece do assunto no meio da fala, é desorganizado com tempo e aparência, interrompe com frequencia (impaciente), e parece ser explosivo. Apesar dessas características, preenche todos os requisitos para a vaga. Você contrataria essa pessoa?
Arrisco-me a dizer que a sua resposta à pergunta foi NÃO - de fato faz sentido, e é o que acontece na vida diária. Esse indivíduo é um ser-humano adulto, e será cobrado pela sociedade por habilidades sociais e individuais, que influenciam em seu desempenho em todas as esferas da vida, incluindo a profissional. A cada ano, me é mais e mais frequente receber pacientes como esse de cima em meu consultório. São adultos desorganizados, desamparados pela sociedade, com a vida completamente desestruturada, que já não enxergam esperanças. Algumas vezes, após uma avaliação muito criteriosa, descobrimos um TDAH não identificado na infância, e que acompanha essa pessoa pela vida toda - interferindo nas relações amorosas, familiares, sociais e profissionais.
TDAH:
Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade é uma condição do neurodesenvolvimento que se manifesta predominantemente na infância, mas, se não diagnosticado, seus sintomas podem perdurar e tornarem-se mais impactantes na fase adulta. Segundo a OMS, afeta de 2-4% dos indivíduos adultos no Mundo. E estima-se que dois terços das crianças com TDAH sigam com os sintomas do transtorno na vida adulta, quando não recebem diagnóstico e tratamento durante a infância.
Classicamente, caracteriza-se pela tríade Desatenção / Hiperatividade / Impulsividade, podendo ter predomínio de perfil desatento, hiperativo-impulsivo, ou combinado entre os dois.
Atualmente, a causa mais aceita envolve fatores genéticos (que parecem ter bastante relevância), associados a fatores ambientais multifatoriais que, combinados, propiciam as condições ideais para desenvolvimento da doença. Alguns estudos mostram serem possíveis alterações estruturais em exames de imagem, nas regiões cerebrais conhecidas como córtex pré-frontal (relacionado ao pensamento, planejamento motor, raciocínio, senso crítico e inibição), e amígdala / núcleo accumbens / hipocampos (áreas relacionadas ao processamento das emoções e ao sistema de recompensa cerebral). Além disso, redes neurais ligadas a neurotransmissores, como dopamina e norepinefrina, parecem ser alteradas, ocasionando mudanças no comportamento e no controle das emoções.
Sintomas:
Na fase adulta, a desatenção é o perfil predominante, embora os sintomas hiperativos-impulsivos, quando ocorram, sejam mais graves. É bastante comum haver: disfunção executiva (incapacidade para planejar ações, organizar rotinas, seguir datas e ações planejadas), inquietação motora e psíquica (pensamento acelerado) e desregulação emocional.
São pessoas facilmente distraídas por estímulos internos e externos (como os próprios pensamentos), e que não conseguem planejar e executar tarefas de maneira organizada, interrompendo atividades pela metade. Entediam-se facilmente, não conseguem esperar por muito tempo, apresentam reações emocionais intensas / repentinas / descabidas, em diversas situações. Muitas vezes são tidas como preguiçosas, desleixadas, descontroladas ou incapazes, gerando grande estigmatizarão pela sociedade. O paciente fica exausto. O caos provocado em todas as esferas da vida é avassalador, gerando dificuldades de relacionamento, desemprego, instabilidade – pano de fundo para que se associem quadros de depressão, ansiedade, compulsão alimentar, dependência química e alcoolismo.
Desafio diagnóstico:
O DSM-5 traz uma espécie de cartilha, contendo diversos critérios desmembrados, para se chegar a um diagnóstico. Nele, especificam-se vários sintomas de desatenção e de hiperatividade-impulsividade, que devem estar presentes antes dos 12 anos de idade. Apesar de o TDAH ser mais comum na infância, os critérios permitem um diagnóstico na fase adulta- desde que os sintomas tenham estado presentes e causado prejuízos durante a infância. Além disso, eles devem acontecer de maneira independente do ambiente (necessário que ocorram em ao menos 2 locais diferentes, entre casa, escola, trabalho, etc – sugerindo ser algo inerente ao indivíduo, e não ao local). Também, é de suma importância, para o diagnóstico, que se evidencie clara influência na vida do paciente, com impacto social / acadêmico / profissional.
O diagnóstico é puramente clínico, sendo corroborado pelos testes neuropsicológicos. É necessária expertise na área, algo não muito frequente quando pensamos na extensão do nosso país. Muitas vezes, estabelecer um diagnóstico assertivo é tarefa bastante complexa, pois é muito comum, na fase adulta, os sintomas sobreporem-se a outras condições psiquiátricas, agravadas pelo longo tempo de evolução (como transtornos depressivos, ansiosos, de sono) – que podem mascarar ou sobreporem-se aos sintomas clássicos de TDAH, tornando uma verdadeira alquimia o desafio de chegar ao diagnóstico.
Tratamento:
Para todos os adultos que se identificam com os sintomas descritos, é necessário procurar ajuda de um profissional experiente, que saiba investigar e obter o diagnóstico correto. O primeiro passo para ajudar nesse caos, é procurar ajuda especializada.
O tratamento do TDAH em adultos é multifatorial, e envolve mudanças no estilo de vida (atividade física, alimentação, higiene do sono, rotina estruturada e técnicas de gerenciamento), além de psicoterapia / terapia comportamental e, quando indicada, terapia medicamentosa. É muito comum pacientes chegarem ao consultório já com diagnóstico em mãos (segundo uma breve pesquisa no Google), e demandarem somente por medicamento (que é uma saída mais rápida). Geralmente, são casos que precisam de um direcionamento melhor, pois apresentam grande chance de insucesso no tratamento – é essencial que o paciente entenda a complexidade do tema, e a importância da revisão de seus hábitos e rotina para uma melhora real da qualidade de vida (o medicamento, por si só, não resolve). Postas essas ponderações, temos hoje diversas alterativas terapêuticas que, sim, colocam o paciente nos eixos e regulam de maneira equilibrada as suas capacidades cognitivas (há esperança; há tratamento).
Comments