Pálido ponto azul: reflexões sobre a (in)significância humana
- Felipe Vigarinho
- 4 de dez. de 2023
- 3 min de leitura

Em 1977, a NASA lançou ao espaço a Voyager 1, nave cuja missão era estudar com maiores detalhes o sistema solar. Após anos de registros importantes, e depois de ter passado já por Saturno, os astrônomos responsáveis pelo projeto deram como missão cumprida, e seguiram na intenção de deixar a espaçonave viajar sem rumo pelo espaço a partir de então. Como último ato, o astrônomo Carl Sagan teve a ideia de virar a nave e tirar uma derradeira fotografia do planeta Terra, da perspectiva de 6 bilhões de quilômetros de distância (mas ainda dentro do Sistema Solar). O resultado da foto nos traz reflexões importantes, sobre um pálido ponto azul que chamamos de casa, insignificante já perante a imensidão do nosso setor na via Láctea (quiçá do Universo todo).
Esse pequeno pontinho desafia toda a prepotência e iludida significância humana. Somos uma fração minúscula do Universo, e temos um tempo de vida irrelevante perante o que nos cerca. Pois, então, qual o motivo de gastarmos os poucos dias que nos foram dados com sentimentos e atos ruins, brigas, egoísmo e arrogância? Temos uma grande ilusão de PODER na vida - algo pelo qual se luta durante toda a existência: por mais dinheiro, influência, status, reconhecimento. Entretanto, nem o mais poderoso dos seres-humanos venceu a perecibilidade da vida, e não teria a menor chance perante qualquer movimento de extinção desse nosso pequeno planeta. Não somos nada, e a percepção disso forma caráter.
O conhecimento sobre nossa insignificância nos traz equilíbrio, e nos ajuda a entender melhor o mundo que nos cerca. Afinal, aquele nosso problema não é assim tão importante (na verdade, é bem pequeno). Além disso, por mais que as redes sociais, as mídias, os ambientes tentem mostrar o contrário, o próximo também é insignificante, como você. Essa percepção nos traz paz, e diminui muito a ansiedade de perseguir um alguém que não se quer mesmo ser. Nos faz entender que não faz sentido manter discussões ou rancores, brigas por motivos muitas vezes nem mais lembrados; e que devemos dedicar cada ato de nossa vida a tornar melhor tudo o que nos cerca. Propósito e bondade: isso sim é importante, e nos coloca no caminho certo.
Ao olhar para esse pontinho azul, acalme-se, respire fundo e reflita: quem sou eu nesse lugar, e o que tenho feito nos meus dias de vida?
Carl Sagan - trecho da palestra na Universidade Cornell (1994):
"Olhem de novo esse ponto. É aqui, é a nossa casa, somos nós. Nele, todos a quem ama, todos a quem conhece, qualquer um sobre quem você ouviu falar, cada ser humano que já existiu, viveram as suas vidas. O conjunto da nossa alegria e nosso sofrimento, milhares de religiões, ideologias e doutrinas econômicas confiantes, cada caçador e coletor, cada herói e covarde, cada criador e destruidor da civilização, cada rei e camponês, cada jovem casal de namorados, cada mãe e pai, criança cheia de esperança, inventor e explorador, cada professor de ética, cada político corrupto, cada "superestrela", cada "líder supremo", cada santo e pecador na história da nossa espécie viveu ali - em um grão de pó suspenso num raio de sol.
A Terra é um cenário muito pequeno numa vasta arena cósmica. Pense nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais e imperadores, para que, na sua glória e triunfo, pudessem ser senhores momentâneos de uma fração de um ponto. Pense nas crueldades sem fim infligidas pelos moradores de um canto deste pixel aos praticamente indistinguíveis moradores de algum outro canto, quão frequentes seus desentendimentos, quão ávidos de matar uns aos outros, quão veementes os seus ódios.
As nossas posturas, a nossa suposta auto importância, a ilusão de termos qualquer posição de privilégio no Universo, são desafiadas por este pontinho de luz pálida. O nosso planeta é um grão solitário na imensa escuridão cósmica que nos cerca. Na nossa obscuridade, em toda esta vastidão, não há indícios de que vá chegar ajuda de outro lugar para nos salvar de nós próprios.
A Terra é o único mundo conhecido, até hoje, que abriga vida. Não há outro lugar, pelo menos no futuro próximo, para onde a nossa espécie possa emigrar. Visitar, sim. Assentar-se, ainda não. Gostemos ou não, a Terra é onde temos de ficar por enquanto.
Já foi dito que astronomia é uma experiência de humildade e criadora de caráter. Não há, talvez, melhor demonstração da tola presunção humana do que esta imagem distante do nosso minúsculo mundo. Para mim, destaca a nossa responsabilidade de sermos mais amáveis uns com os outros, e para preservarmos e protegermos o "pálido ponto azul", o único lar que conhecemos até hoje."
Referências:
Livro: "Pale Blue Dot: A Vision of the Human Future in Space." (Carl Sagan, 1994).
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