O desafio da dependência: vivendo com as Telas
- Felipe Vigarinho
- 25 de out. de 2023
- 6 min de leitura
Atualizado: 26 de out. de 2023

Há algum tempo, estava eu em um dia daqueles: sabe quando você tem 2 compromissos encavalados, em locais diferentes, e precisa se deslocar de um lugar ao outro na velocidade da luz? Pois bem: nessa situação eu me encontrava. Estava saindo de um local na Av Paulista, quando me perdi ao observar uma pessoa, no meio da multidão. Baixinho, acima do peso, aparentava ter uns 17-18 anos; diferente de mim (e da quase totalidade de pedestres naquele local), o moço não parecia ter pressa – ao contrário, nem sequer aparentava estar ali.
Ele dava passos curtos, ininterruptos, em direção à rua onde passavam os carros, com a cabeça baixa e grudada na tela do celular. Após segundos de apreensão, que me pareceram horas, um carro parou bruscamente, a centímetros de suas pernas. O motorista, assustado, buzinou freneticamente, gritou algumas palavras, e seguiu o seu trajeto. Para a minha inteira surpresa, o garoto mal se importou - levantou os olhos rapidamente e voltou a baixar, andando sem parar em minha direção.
Eu, já absorto naquela situação, havia me esquecido completamente do meu horário, e decidi, não sei bem por que, penalizar aquele rapaz - afinal, ele precisava de um alerta, para acordar para a vida. Ele vindo de encontro a mim, e eu não saí do lugar - fiquei parado até ele se aproximar, para ver se realmente não pararia. Dito e feito: bateu comigo ombro-a-ombro em um encontrão, que o desconsertou de certa maneira. Levantou os olhos do celular por não mais que 10 segundos, falou algumas palavras sem sentido, como que reclamando por eu não o ter percebido(?), e voltou a percorrer o seu caminho, em direção a sei lá onde (talvez nem ele soubesse).
Fiquei tão impressionado com aquele caso, que decidi tirar o restante da tarde livre: naquele dia, não peguei mais o celular; voltei para casa, e tive uma tarde muito proveitosa ao lado dos meus familiares. Esse episódio marcou a minha vida por um tempo.
Se você está acostumado a andar por aí, prestando a atenção nas pessoas ao redor, certamente já passou por situação parecida. Vou além: já aconteceu com você de sair de casa, e esquecer o celular? Que sentimento lhe ocorreu nesse momento? Angústia, apreensão, ansiedade incontrolável? Se sim, recomendo fortemente que continue a leitura desse artigo.
O chamado “Transtorno de dependência de Tela” já pode ser considerado um dos grandes males das gerações atuais. Não só a tela em si, mas as redes sociais contribuem para um elevado grau de dependência. Pois saiba que grande parte delas (senão todas) foram construídas com arquitetura de dados sofisticada, de modo a prender o indivíduo o maior tempo possível nesse consumo – quanto mais tempo de uso, mais dados são coletados e maior o engajamento, o que torna os anúncios publicitários mais assertivos e o consumidor mais propenso a comprar. Haja vista os recentes processos envolvendo mais de 40 estados dos EUA e a Meta, dona do facebook e do whatsapp, sob alegação do uso de recursos viciantes nessas plataformas.
Diversos estudos já demonstram que o uso do celular e de redes sociais ativam no cérebro as mesmas redes neurais de prazer que o álcool, o cigarro, e a cocaína. E mais: provocam a mesma cascata de dependência química, e também de abstinência quando retirados abruptamente. O resultado desse cenário é um quadro florido de sintomas, como: dificuldades para iniciar e/ou manter o sono, ansiedade, humor deprimido, concentração e raciocínio reduzidos, isolamento social, comprometimento da capacidade de elaboração socio-emocional. E esse quadro é ainda mais perigoso quando se trata de uma criança ou adolescente, em desenvolvimento. Parece cruel, mas é real... cabe a cada um de nós ter mecanismos para se blindar dessa realidade que, na medida errada, pode ser absolutamente prejudicial.
Há alguns meses, li um estudo de 2017 do Instituto norte-americano Centers Disease Control and Prevention (CDC), no qual se conclui que os jovens americanos estão menos propensos a usar drogas que gerações passadas, mas apresentam uma prevalência mais alta de Transtornos Mentais, especialmente Ansiedade e Depressão, com expressivo aumento de pensamentos suicidas. E esse é o retrato da juventude atual. Não deixo de pensar em uma famosa Campanha dos anos 90: “Drogas? Nem morto”, e por quais motivos não discutimos a dependência de telas da mesma maneira. A dependência é fator comum, mas aqui temos um risco a que toda a sociedade está exposta continuamente (telas e redes sociais), e que não somente não é condenado, como é vangloriado por todos. Daí o perigo...
O uso do celular e das redes socias, em si, não é de todo condenável. Pelo contrário: a conectividade une pessoas distantes por milhares de quilômetros, mantém mais próximas relações de anos, provoca uma poderosa interação social que pode ser usada de diversas formas produtivas. O que está em pauta não é a existência de redes sociais ou somente o seu uso, mas o equilíbrio entre o Mundo digital e a vida física, e a linha tênue entre uso saudável e perda do controle. Se não estivermos constantemente atentos a isso, e se não ensinarmos os mais novos sobre esse autocuidado, corremos grande risco de cair – no nível individual, e como sociedade...
Escrevo esse artigo como tentativa de alerta mesmo, e nutro alguma esperança de que, a partir dele, poderá o leitor despertar autoconsciência sobre esse cenário, e passar a acompanhar a si mesmo e aos seus familiares, nessa luta pelo autocontrole. Você já parou para analisar quantos minutos por dia gasta em seu celular? Mexer no celular é a primeira coisa que você faz ao acordar? Como ficam os seus sentimentos quando está sem celular ou internet? São questionamentos importantes para se fazer, que acendem um sinal de alerta. Faça-os e os dissemine.
Para ajudar nesse processo, coloco abaixo algumas orientações importantes sobre o tema. Não deixem de compartilhar essas informações, discutam o assunto com amigos e familiares, e peçam ajuda sempre que preciso. A dependência de telas (e de redes sociais) é um inimigo oculto, poderoso, a ser combatido por todos.
Sinais de alerta para Dependência de Telas/Redes Sociais:
- Preocupação excessiva em ficar sem o celular (sem bateria / sem internet);
- Necessidade de utilizar o celular/redes por um tempo cada vez maior;
- A satisfação está associada ao tempo conectado;
- Irritabilidade, desânimo e ansiedade – especialmente quando não está em uso;
- Ter outras áreas da vida afetadas por conta do uso abusivo, como por exemplo o trabalho e as relações sociais;
- Esforçar-se em vão para manter-se off-line;
- Mentir em relação à quantidade de horas diárias que passa conectado;
- Preferência para a vida virtual, deixando de lado aspectos básicos de sobrevivência, como alimentação, higiene pessoal, sono, etc.
O que fazer se tiver sinais de Dependência (as ações servem também para evitá-la):
- Procurar por ajuda especializada (Psiquiatra e Psicólogo).
- Reduzir tempo de celular/redes sociais vagarosamente.
- Não olhar o celular no período de 2h antes de ir dormir e nem ao acordar. Não dormir com o celular no quarto.
- Fazer atividades presenciais que sejam prazerosas, como rotina na semana.
- Fazer pausas do computador, durante o trabalho.
- Reservar um dia para desconectar-se (“Digital day-off”).
- Usar aplicativos de autocontrole.
- Desligar as notificações.
- Ativar o modo preto e branco (escalas de preto/branco ou cinza): isso torna a tela menos agradável de ver
Tempo de exposição a Telas recomendado para crianças e adolescentes (Sociedade Brasileira de Pediatria):
- Evitar a exposição de crianças menores de 2 anos às telas
- Crianças de 2 a 5 anos: no máximo de 1 hora por dia.
- Crianças de 6 a 10 anos: no máximo de 1 a 2 horas por dia
- Adolescentes de 11 a 18 anos: no máximo 2 a 3 horas por dia (nunca virar a noite)
Referências:
1. Anderson D, Subrahmanyam K. Digital Screen Media and Cognitive Development. Pediatrics 2017; 40(2):57-62.
2. Centers for Disease Control and Prevention. CDC WISQARS: Leading causes of death reports, 1981–2016 .
3. Kabali HM, Nunez-Davis R, Budacki JM, Mohanty JH, Leister KP, Bonner RL. Exposure and use of mobile media devices by young children. Pediatrics 2015; 136(6):1044-1050.
4. Khoury, J. M. Caracterização dos aspectos neuropsicológicos e fisiológicos da dependência de smartphone. Tese (Doutorado em Medicina) - Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte. 2018, p. 185.
5. Meri R et al. Higher access to screens is related to decreased functional connectivity between neural networks associated with basic attention skills and cognitive control in children. Child Neuropsychol. 2023;29(4):666-685.
6. Radesky JS, Dimitri A. Christakis DA. Increased Screen Time: implications for early childhood development and behavior. Pediatr Clin N Am. 2016; 63(3):827-839.
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