Músculo e Cérebro: em um relacionamento sério
- Felipe Vigarinho
- 12 de jul. de 2024
- 3 min de leitura

O envelhecimento leva à perda de massa muscular. Essa informação é bastante popular, que leva à máxima do envelhecimento, bem conhecida por todos: quanto mais idoso, menos músculo.
Sabemos do impacto que a atrofia com redução de força muscular leva à funcionalidade do idoso, restringindo movimentos, velocidade e autonomia. Até aqui, nenhuma novidade... No entanto, diversos estudos nas últimas décadas vêm mostrando que esse cenário não se restringe somente ao músculo (ação local), mas afeta de maneira importante também a saúde cerebral. Isso porque as células musculares mantêm uma viva comunicação de estímulo aos neurônios, por meio de hormônios chamados miocinas (essenciais para a manutenção da homeostase, e minimizar o processo de envelhecimento cerebral).
Músculo e cérebro são peças individuais do mesmo organismo, conversando entre si: o cérebro envia impulsos elétricos aos nervos, que se distiguem em neurônios motores, com íntima relação de estímulo às fibras musculares (para que se movimentem e hipertrofiem). Os músculos, uma vez estimulados e ativos, liberam moléculas na circulação (miocinas), que possuem receptores no cérebro - de modo a estimular o seu equilíbrio e a redução de processos degenerativos. E assim, o sistema autorregula-se.
Para entender melhor essa relação, um recente estudo da Universidade de Illinois (USA) procurou ir além, e focar não somente na ação das miocinas (como diversos outros trabalhos já fizeram). Os pesquisdores voltaram a lupa para outro módulo desse sistema de conexão: a relação neuromuscular existente (entre neurônios motores, transmissores da informação, e as células musculares, executoras).
A hipótese feita foi que os neurônios motores desempenham o papel de regular a secreção de miocinas pelas fibras musculares, e não somente e enviar o comando para elas contraírem. E descobriram que de fato músculos bastante inervados apresentavam expressão mais elevada de RNAs mensageiros, para produção de miocinas. Quando estimulados com Glutamato, in vitro, músculos com mais neurônios motores tiveram produção hormonal aumentanda, quando comparados a músculos pouco inervados. Portanto, a densidade de cadeia neural no músculo também é importante, para que o processo todo ocorra.
No mesmo estudo, os pesquisadores verificaram também que as miocinas atuavam no cérebro, especificamente em regiões chamadas de hipocampos (relacionados à formação de novas memórias, e ao aprendizado). Ao contrário do que ocorre na Doença de Alzheimer, a ação das miocinas levou a um aumento nas ramificações hipocampais, com maior número de conexões neurais e de atividades espontâneas nessa região. Esses dados corroboram com os achados de um outro importante trabalho, publicado na revista Nature em 2019, no qual Lourenço e colaboradores comprovaram que Irisina (um tipo de miocina) tem concentrações reduzidas nos hipocampos com Doença de Alzheimer, ao passo que neurônios maduros expostos a níveis mais altos da irisina são pouco imunorreativos à presença de placas beta-amiloides (que formam a gênese do quadro demencial). Seriam, pois, esses hormônios, moléculas especiais para evitar e combater quadros demenciais degenerativos?
No geral, o estudo de Illinois ganhou relevância porque mostra o papel da inervação neuronal na relação músculo-cérebro, de ser não somente um mediador entre os atores, mas de ter ação ativa no estímulo à produção de miocinas (quanto maior a carga de neurônios motores locais, mais hormônio produzido). Indo mais além, os resultados sugerem que talvez seja possível criar-se um modelo de tecido neuromuscular, como plataforma para a produção de moléculas neurotróficas (e, quem sabe, produzir miocinas in vitro, como alternativa terapêutica à Doença de Alzheimer).
Não conhecemos ainda o futuro dessas possíveis linhas terapêuticas, mas o considero promissor. O que sabemos, no momento, é que o exercício físico é um importante aliado para combater o envelhecimento cerebral, e evitar a Doença de Alzheimer. A atividade muscular repetida parece ter um claro benefício em melhorar a conexão cérebro-músculo, muito mais do que simplesmente aumentar volume ou força muscular. E isso vale para qualquer fase da vida, mas é especialmente importante na terceira idade, quando a perda de massa muscular é intensificada. Se você quer ter uma saúde cerebral ativa, e evitar doenças neurodegenrativas, comece a se exercitar hoje mesmo, e torne disso um hábito. Aquela máxima popular sobre envelhecimento, hoje, deveria ser atualizada: quanto mais idoso, menos músculo, e menos funcionalidade cerebral. Envelhecer é invitável, mas a conexão músculo-cérebro dá sim para otimizar.
Referências:
- Huang et al. Neuronal innervation regulates the secretion of neurotrophic myokines and exosomes from skeletal muscle. Proc of the National Academy of Sciences USA (PNAS). 2024; 121:19-21.
- Lorenco et al. Exercise-linked FNDC5/irisin rescues synaptic plasticity and memory defects in Alzheimer’s models. Nature review. 2019; 25:165–175
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