Inteligência Artificial a serviço da Saúde: Doença de Alzheimer
- Felipe Vigarinho
- 3 de jul. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 4 de jul. de 2024

Demência pode ser definida como uma deterioração progressiva de funções cognitivas, mais comumente da memória, mas podendo afetar outros domínios, como: linguagem, percepção visual, função executiva, praxia (que é a capacidade de realizar movimentos ordenados e funcionais, como abotoar a camisa).
Após os 65 anos, a principal causa de Demência é a Doença de Alzheimer, que se caracteriza pela perda progressiva e irreversível dessas funções cognitivas. Sua causa ainda não é completamente entendida, mas sabemos que essa doença está associada à deposição anormal de proteína betamiloide no tecido cerebral. Tal fato parece dever-se a fatores genéticos (que geram uma predisposição a falhas na quebra de certos tipos de proteína) e ambientais relacionados ao estilo de vida (como hipertensão arterial, dislipidemia, diabetes, sedentarismo, baixo nível de escolaridade, audição reduzida). Juntos, esses dois tipos de fatores criam as condições ideias para desenvolvimento da doença.
No Brasil, estima-se que cerca de 1,2milhão de pessoas possuam alguma forma de Demência, e pelo menos 100mil novos casos são diagnosticados todos os anos. No Mundo inteiro, as estimativas chegam a 50 milhões de pessoas, podendo atingir 130 milhões até 2050, segundo edados da Associação Alzheimer’s Disease International. O aumento na prevalência dessa doença ocorre especialmente em países pobres e populosos, como Brasil, Índia, México, China – onde se observa um acelerado envelhecimento da população, em condições de saúde precárias, o que favorece os fatores ambientais relacionados ao desenvolvimento da doença.
O diagnóstico de Demências (incluindo a D. Alzheimer) nem sempre é fácil, especialmente em suas fases mais iniciais, quando os sintomas são ainda discretos. Para que ele ocorra, é necessário primeiro que paciente e familiares suspeitem de alguma alteração, e que procurem ajuda médica, ou que o indivíduo seja acompanhado de rotina por médicos treinados para a suspeita precoce da doença. Esse contexto, por si só, já leva a um atraso no diagnóstico. Ademais, a investigação pode necessitar de alguns exames dispendiosos, que não estão disponíveis na realidade de boa parte das famílias brasileiras (como testes neuropsicológicos, ressonância magnética de crânio, PET/CT, SPECT, etc), o que aumenta ainda mais o tempo para detecção da doença. Por outro lado, quanto mais precoce o diagnóstico, maiores parecem ser as chances de redução na velocidade de progressão da Demência, que é o que propõem os medicamentos validados atualmente para uso.
Pensando nisso, um grupo de pesquisadores da Universidade Boston desenvolveu uma ferramenta de Inteligência Artificial que auxilia no diagnóstico precoce da doença. O programa prevê com 78,5% de precisão se um indivíduo com comprometimento cognitivo leve evoluirá nos próximos 6 anos com demência, associada à Doença de Alzheimer.
Para criar o Modelo, os cientistas utilizaram dados de um dos maiores e mais conhecidos estudos populacionais de todos os tempos, o de Farmingham. Embora seja esse experimento focado em doenças cardiovasculares, os pacientes acompanhados que apresentavam sinais de declínio cognitivo acabaram submetidos a testes neuropsicológicos, gerando uma riqueza de informações também para a área neurológica. Tendo acesso a esses dados, os pesquisadores analisaram gravações de áudio de 166 entrevistas de indivíduos com 63 a 97 anos, diagnosticados com comprometimento cognitivo leve. Desses, 76 permaneceram estáveis pelos próximos seis anos, e 90 mantiveram o declínio cognitivo progressivo, com posterior diagnóstico de D. Alzheimer.
A análise desses áudios por ferramenta de Inteligência Artificial permitiu destacar, além de características acústicas da fala, também algumas alterações no conteúdo do discurso (como as palavras e frases são estruturadas por quem fala). Dessa maneira, encontraram importantes diferenças no grupo de pacientes que evoluiu para Demência após alguns anos, que passaram a ser fatores de alerta para desenvolvimento da doença (com alta precisão testada e relatada).
A importância desse estudo está no fato de que a maior parte dos casos de Doença de Alzheimer ocorre em locais com baixa renda, com pouco acesso a médicos especialistas e a exames complexos. A maioria dos pacientes com Demência nunca chega a receber um diagnóstico formal, não tendo a um tratamento direcionado. A ferramenta proposta pode ser usada, com bons índices de precisão, para rastreio do risco futuro de desenvolvimento da doença. Com ela, não há a necessidade de se desenvolver uma estrutura local complexa – a IA apresenta fácil implantação e análise simples dos resultados (que pode ser feita por um profissional de saúde de Atenção primária, por exemplo).
Para o Futuro, projetos podem basear-se na tecnologia desenvolvida, para criar aplicativos para celular ou devices do cotidiano. Os autores acreditam que o poder dessa IA pode ser expandido, ao se analisar não somente entrevistas médicas, nas quais a fala pelo paciente é ponderada e monitorizada, mas também conversas do cotidiano, dentro de casa (nas quais o indivíduo fala livremente, de maneira desprendida). Isso provavelmente ampliaria a capacidade de análise pela ferramenta, com incremento em precisão. Em poucos anos, acredita-se, esse monitoramento pode estar disponível e com fácil acesso para qualquer pessoa que possua celular e conexão com internet.
Claro que vivemos em um país com grande desigualdade de renda, e um dos maiores desafios ainda é levar conectividade a regiões mais remotas. Mas, convenhamos: essa ação planejada ainda é mais simples do que depender de exames caros e consultas com especialistas. Eu, particularmente, vejo com entusiasmo estudos como esse, e tendo a valorizar mais trabalhos que olham para a realidade como um todo, e cujo objetivo final é promover equidade e acesso à Saúde. É a Ciência verdadeiramente a serviço da Sociedade, e não o contrário.
Referências:
1. Amini S. et al. Prediction of Alzheimer’s disease progression within 6 yearsusing speech: A novel approach leveraging language models. Alzherimer’s & Dementia. 2024: 1-9.
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