Essa tal Felicidade
- Felipe Vigarinho
- 7 de ago. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 29 de set. de 2023

Nas últimas décadas, um fenômeno interessante tem me chamado cada vez mais a atenção: pais assolados pela cobrança de carreira sólida e segura das gerações anteriores passaram a exigir de seus filhos algo muito mais “simples” de se perseguir: ‘somente’ a felicidade. Afinal, quem de nós nunca ouviu a frase: “Por mim, ela(e) pode ser o que quiser, desde que seja feliz”?
Sob um olhar superficial, esse discurso pode parecer muito confortante às crianças e jovens, que têm a “liberação” de seus genitores, e exemplos de vida, para seguirem o caminho que desejarem: simplesmente aquilo que lhes trouxer felicidade. No entanto, a vida de consultório nos mostra que talvez essa seja uma pressão ainda maior sobre as suas personalidades em formação. Afinal de contas, responda sinceramente, você tem clareza de tudo o que te faz (ou fará) feliz? Tem objetivos claros para perseguir, com a certeza de que, ao alcançá-los, atingirá a cobiçada felicidade plena? Se a sua resposta para essas perguntas for “SIM”, tenho convicção de que você pode estar criando expectativas que não serão cumpridas; e aí, meu amigo, quando as metas forem atingidas (se é que serão), e você não tiver o êxtase imaginado... o abismo vem galopante.
Mas, então, o que seria “essa tal felicidade”, tão cobiçada por todos nos dias de hoje? Esse não é um conceito simples, meus amigos, e faz-se um tanto subjetivo a cada um de nós. Por isso, assistimos hoje a uma crescente parcela de neurocientistas, psiquiatras e psicólogos dedicando os seus tempos, de forma frenética, a esse entendimento. E graças ao trabalho deles, temos atualmente alguma clareza sobre esse assunto.
Do ponto de vista filosófico, Felicidade é nada mais que um estado de espírito frequente, que gera sensação de prazer, plenitude e equilíbrio, com os diferentes pilares da vida cotidiana; é estar bem, satisfeito e grato com tudo ao seu redor. Já pelo olhar Neuropsiquiátrico, que se complementa ao anterior: é o conjunto de genética, ambiente saudável e comportamentos/hábitos adequados, que propicia a liberação de neurotransmissores favoráveis a um sentimento positivo, como Dopamina e Serotonina, e à ativação sustentada de certas regiões do sistema límbico, como o giro do cíngulo, amigdalas, giro parahipocampal e hipocampo.
Em outras palavras, o que se sabe hoje é que a felicidade é algo constante e duradouro, que não vive de momentos. Há, então, uma diferença enorme entre “estados de euforia” e felicidade. E aí que está o ponto de maior confusão na sociedade atual: acredita-se que se torna feliz quando ocorrem grandes aquisições de vida, como determinado cargo, um bem material, um relacionamento, dinheiro a perder de vista. Muita expectativa é depositada em torno dessas metas, tanta que quando se as atinge, o indivíduo provavelmente vive mesmo um estado de alegria intensa, mas essa euforia tem fim, e dá lugar a um vazio existencial sem precedentes. Nesse ponto, do vale, percebe-se que houve um equívoco: “como isso não me trouxe felicidade, se eu me dediquei tanto a conseguir?”. A partir de então, alguns desistem de tentar e entram em um estado de descrédito profundo; outros, continuam com novas metas, cada vez mais inatingíveis, em um ciclo de desilusão constante, humor deprimindo... E a vida vai passando.
O que não se percebe, durante toda essa busca, é que a felicidade não está no mundo exterior. Claro que um ambiente saudável, que supre necessidades humanas básicas, é fundamental. Ter ambição é extremamente importante, mas é preciso controlar as expectativas. Porque o que realmente traz essa sensação de equilíbrio consigo mesmo não são conquistas pontuais, mas sim uma homeostase entre genética, controle emocional e frequente estado de espírito positivo. Nas últimas décadas, relevantes estudos mostraram a importância da “Gratidão frequente” e do “olhar positivo” sobre as situações cotidianas. Pois todos passam por momentos desagradáveis ao longo da vida; o que muda, novamente, não é o mundo exterior, mas a sua reação ao que vem dele. Indivíduos que tendem a olhar o lado bom das coisas, e que agradecem diariamente pelo básico, são mais plenos e equilibrados consigo mesmos. E o resultado social disso é imenso, pois são pessoas de convivência mais fácil, que promovem ambientes coletivos prazerosos e levam para cima todos ao seu redor. Não seria formidável ter pessoas assim na sua empresa? E na sua família?
Olha, quem sou eu para sugerir algo, ne? Mesmo assim, gostaria de deixar algumas dicas, que venho entendendo na leitura de artigos atrás de artigos, e que tenho procurado colocar em prática (o que, já adianto, não é nada fácil). Além do costume de “agradecer” todos os dias, outros fatores que, comprovadamente, ajudam muito nesse processo: Meditação, Atividade física frequente (no mínimo 30min, 3x/semana), Alimentação balanceada, Hobbies prazerosos, Psicoterapia, Religiosidade. Mudar o olhar de si mesmo sobre as coisas é o primeiro passo. E também controlar a ansiedade, estar satisfeito com as pequenas coisas, e esquecer dessas metas materiais que nos desviam do verdadeiro propósito da vida, que é estar bem consigo e com os outros.
Ah, claro... o que falo para a minha filha, sobre o que ela deve ser quando crescer? Acho que todos devemos procurar plenitude, gratidão e equilíbrio. Ser alguém que traga uma visão positiva da vida para todos ao seu redor. Não que seja fácil.. é um exercício diário. Mas focar nisso é o primeiro passo. E, não, isso não tem nada a ver com carreira, status ou riqueza: é somente felicidade... simples assim.
Felipe Vigarinho
Médico Neurologista - CRM 156472/ RQE 61725
Sugestões de leitura complementar:
- Aaron S, Andrew S, Erik K, Kaitlyn M, Nathan J, Richard J. The Neurodynamics of Affect in the Laboratory Predicts Persistence of Real-World Emotional Responses. Journal of Neuroscience. 2015;35(29).
- O'Callaghan A , Bickford B, Rea C, Fernando A, Malpas P. Happiness at the End of Life: A Qualitative Study. Am J Hosp Palliat Care. 2021;38(3).
- Ford B, Dmitrieva J, Heller D, Chentsova-Dutton Y, Grossmann I, Tamir M, Kyoto Y, Koopmann-Holm B, Floerke V, Meike U. Culture shapes whether the pursuit of happiness predicts higher or lower well-being. J Exp Psychol Gen. 2015;144(6).
- Jackson J. The Pursuit and Maintenance of Happiness. N Engl J Med. 2021; 385(14).
- Tala A. Thanks for everything: a review on gratitude from neurobiology to clinic. Rev Med Chile. 2019;147(6).
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