Drácula e a Nefrologia
- Felipe Vigarinho
- 19 de ago. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 29 de set. de 2023

Estamos no século XV, regiões da Wallachia e da Transilvânia, na Romênia. O rei, Conde Vlad Tsepesh aka Dracula, conhecido como Vlad o Empalador, é um temido tirano, que retornou às suas terras após ser capturado, ainda criança, pelos turcos – com os quais aprendeu a torturar e a empalar as vítimas de guerra. Verdadeiros mares de guerreiros empalados eram vistos ao longe, após as suas vitoriosas batalhas. Um rei poderoso, forjado pelo medo dos invasores, e também dos seu próprio povo.
Nessa região, às margens do rio Danúbio, vivia uma população de agricultores muito simples – assolados por um mistério que assombrou mentes locais fervorosamente, por pelo menos 5 séculos. Indivíduos de ambos os sexos, especialmente após os 20 anos de idade, começavam a emagrecer de forma inexplicada, e a ficarem pálidos e fracos; definhavam até a morte, como se seus sangues estivessem sendo vagarosamente sugados, dia após dia. E isso só ocorria nessa região, que rodeava o imponente castelo de Drácula – mesmo séculos após a sua morte.
Por muitos e muitos anos, era pensamento corrente entre os habitantes do local que se tratava de uma maldição, dada a tamanha crueldade do tirano. Acreditava-se que Drácula, imortal, saía de seu caixão no castelo durante as madrugadas, e rondava os vilarejos vizinhos em busca de sangue humano para alimentar-se - o que explicaria a fenômeno observado entre os habitantes. Essa história popular foi eternizada por Bram Stoker em 1897 – o grande responsável pelo romance “Drácula”, que teve ao menos 13 adaptações para o cinema, e foi inspiração para diversas outras obras, em livros, novelas, etc.
Cinco séculos após, nos anos de 1950, por meio de estudos anatomopatológicos locais, descobriu-se que a anemia ocorrida entre os habitantes da região do Danúbio era decorrente de uma doença dos rins, uma nefropatia tubulointersticial crônica, de causa desconhecida, também associada à maior incidência de tumores malignos renais. A essa doença deu-se o nome de “Nefropatia dos Balkans”. Um fenômeno interessante que se observou é que as pessoas que nasciam nessas áreas, mas que saíam de lá ainda novas, não ficavam doentes. Ao passo que, aqueles que eram de outras cidades e que se mudavam para o local, pelo menos 20 anos depois de ali residirem, passavam a adquirir a doença. A partir dessas observações, começou-se a suspeitar de algum fator externo ambiental, cujo efeito cumulativo ao longo de anos, causasse lesão renal.
Após anos de pesquisa, em 1969, o mistério fora de fato solucionado. M. Ivic descobriu que uma planta regional, chamada Aristolochia clematidis, poderia produzir nefropatias e carcinomas renais. E, tradicionalmente, as suas sementes eram misturas às de trigo, para a produção de pães naquela região. Essa planta possui uma substância, chamada ácido aristolóquio que, além de ser uma toxina para os rins, também é um poderoso indutor de turmores renais malignos. O uso contínuo e regular desse toxina, durante cerca de pelo menos 20 anos, induziria a nefropatia que, por sua vez, culminava com anemia severa, emagrecimento e morte.
Pois bem, meus amigos... Vejam como é interessante observar como nascem as lendas. O ser-humano é um animal racional e curioso, que sempre precisou de explicações para os fenômenos ao seu redor. E mesmo não havendo conhecimento necessário para o completo entendimento, busca explicações onde pode – e esse campo é terreno fértil para o místico, o esoterismo, o medo e as crenças populares. Fico me perguntando se a lenda do Conde Drácula existiria, caso tivéssemos algum conhecimento de Medicina e Nefrologia naquela época. E também me pergunto quantas das nossas crenças atuais também não seriam simplesmente falta de conhecimento. Será que um dia, à luz de novas descobertas, perceberemos o quão tolos fomos, tentando explicar o que não se podia? Afinal, quantas das nossas convicções não passam de meros achismos? Deixo para todos essa reflexão - e também um enredo um pouco mais realista para a crença de vampiros... Edward e Bella que me perdoem – mas quem não gosta de uma boa história, não é mesmo?
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