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AÇÚCAR E CÉREBRO – UMA RELAÇÃO COMPLICADA


Imagem obtida por IA - https://designer.microsoft.com/

À beira dos meus 40 anos de idade, posso dizer que passei por alguns altos e baixos na vida. Já vivi incontáveis momentos de Alegria, mas também uma porção de ocasiões tristes, estressantes, e de muita vulnerabilidade. Na maior parte deles, havia um fator de recompensa ou acalanto me rodeando, e acredito que isso não ocorra só comigo...


Sabe aquele pote de sorvete para afogar as mágoas; o brigadeiro de colher em dias chuvosos; ou o bolo para comemorar o aniversário ou alguma conquista? Pois é: começa assim, como exceção, nos momentos especiais. Aí você vai comendo um docinho com mais frequência - depois do almoço, antes de dormir... e quando percebe, sente muito prazer nisso, até certa necessidade física, e fica cada vez mais difícil viver sem. Aposto que muita gente se identifica com esse contexto.


Mas, veja, caro leitor: essa história acima não te lembra algo? Alguma vez você já acompanhou o triste processo que leva uma pessoa a se tornar dependente de álcool, de nicotina, ou até de drogas ilícitas? E você acha que é muito diferente desse que relatei? Não é...


Quando ingerido em grandes quantidades, o açúcar refinado resulta na liberação de neurotransmissores (especialmente Dopamina) muito semelhantes ao que ocorre nas demais dependências, em uma região do cérebro chamada Núcleo accunbems (relacionada ao circuito de recompensa cerebral). A dopamina, em si, não aumenta o prazer, mas nos encoraja a repetir comportamentos que nos ajudam a sobreviver: quanto mais dopamina for liberada, e com mais regularidade, maior a probabilidade de repetirmos esse padrão. Segundo algumas referências, o açúcar tem a capacidade de aumentar a Dopamina em seu cérebro em até 140% (efeito semelhante à nicotina e ao tabaco), enquanto a cocaína pode triplicar esses níveis.


E o ciclo de dependência acontece de um jeito parecido para a maior parte dos casos: começa eventualmente, sempre em um contexto social prazeroso; então, o consumo passa a ser repetitivo, e cada vez mais frequente... Rapidamente, o seu cérebro aprende que aquilo é uma coisa boa, e você começa a desejar o uso. A partir daí, cada vez mais doses passam a ser necessárias para provocar o efeito recompensatório (o que chamamos de Tolerância). E o indivíduo se vê em um ciclo interminável de uso.


Somado a esse contexto de uso progressivo e dependente, o assunto torna-se ainda mais importante quando nos deparamos com dezenas de estudos mostrando a possibilidade de efeitos deletérios do consumo excessivo de açúcar ao cérebro (além dos riscos de Diabetes Mellitus, Obesidade, Doenças Cardio e Cerebrovasculares - já amplamente conhecidos) - a se listar:


* Predisposição a Transtornos Depressivos e Ansiosos;

* Irritabilidade, cansaço, sono não-reparador;

* Prejuízo na atenção e na concentração, gerando dificuldade de aprendizado;

* Crianças que consomem muito açúcar podem correr maior risco de se tornarem obesas, hiperativas e com deficiências cognitivas quando adultos.


Além de tudo isso, recentemente foi publicado um estudo muito interessante (referência 1), que demonstra que o cérebro em drosophilas, quando exposto a um contexto de glicose em excesso, acaba sofrendo com aumento de estresse oxidativo - resultando em uma reduzida capacidade de eliminar os seus detritos (atividade de células chamadas micróglia). Sabe quando você passa dias sem varrer a casa, e acumula um pouco de sujeira? É isso que ocorre no seu cérebro. E o acúmulo de detritos pode resultar em uma atividade cerebral reduzida, e maior propensão a doenças neurodegenerativas, com D. Alzheimer e D. Parkinson.


Pois bem, meu amigo... Veja que relação complicada: o doce que consumimos procurando por felicidade, na verdade, contribui para o contrário. Agora, posta toda a situação, e à luz dos conhecimentos atuais sobre o assunto: se você pudesse escolher, de forma livre, iniciaria hoje o consumo exagerado de doces e bebidas açucaradas? Eu me fiz essa pergunta muitas vezes nos últimos meses, e a resposta a ela me fez reduzir a quase zero o meu consumo de açúcar refinado - e essa é a proposta que deixo ao leitor. Os benefícios, no meu caso, foram claros, mas não somente para mim. Os primeiros hábitos alimentares são formados em casa, a partir do exemplo familiar - tanto com relação à qualidade e tipo de alimentos, quanto à quantidade dos mesmos. Por isso, pense nesse assunto olhando não somente para você, mas para todos da sua família.


Longe de querer ser simplista: reduzir o consumo de açúcar é muito, mas muito desafiador (especialmente se você já é uma pessoa habituada a comer doces). Além de todos os fatores neuropsíquicos associados à dependência, bastante difíceis de se transpor, a nossa sociedade também precisa lutar diariamente contra uma mídia insistente em estimular esse hábito, e com o desafio de orçamento - já que esse tipo de alimento é bem mais barato. Nesse ponto, começamos a entender que o problema precisa de um olhar abrangente, e de políticas estruturadas de Saúde Pública, para realmente atingirmos resultados expressivos. Mas aí, meu amigo, entramos em um cenário bem mais complexo.


Por enquanto, o meu objetivo aqui é simplesmente trazer informação ao leitor, e plantar em a semente da mudança a quem necessita - gerar a força de vontade indispensável para transpor esse cenário, enquanto há tempo. E para te ajudar de maneira objetiva a reduzir o consumo de açúcar refinado, trago abaixo a sugestão de algumas ações validadas, e que para mim fizeram a diferença (lógico, além de recomendar que procure pela ajuda de especialistas - ao menos um médico endocrinologista, um psicólogo, um nutricionista). O primeiro passo é conhecer o problema, sair da inércia mental, e procurar por uma solução. Acredite, essa é uma daquelas mudanças de hábito que podem verdadeiramente mudar a sua vida.



Ações para reduzir o consumo de açúcar:

1. Reduza vagarosamente o consumo de doces. Ninguém muda um hábito do dia para a noite - vá consumindo porções cada vez menores, até parar.

2. Dê preferência a açúcares naturais, presentes em frutas, legumes e tubérculos. No momento de desejo, coma uma fruta primeiro (isso pode, ao menos, te ajudar a ingerir uma porção menor de alimento açucarado, depois).

3. Conheça o que está consumindo: leia os rótulos, evite alimentos industrializados e ultraprocessados.

4. Não vá ao mercado com fome. Isso reduz a chance de comprar por impulsividade, especialmente alimentos industrializados.

5. Não estoque doces em casa: no momento de desejo, o fácil acesso propicia compulsão e rápido consumo.

6. Experimente reforços alternativos de dopamina: alimentos riscos em tirosina (arroz, feijão, ervilha, nozes, peixes) / probióticos / atividade física/ Yoga e meditação/ sono adequado/ exposição ao Sol.




Referências:

1. Alassaf M, Rajan A. Diet-induced glial insulin resistance impairs the clearance of neuronal debris in Drosophila brain. Plos Biology.2023;21:11-12.

2. Beecher K., Cooper I.A., Wang J., Walters S.B.et al. Long-Term Overconsumption of Sugar Starting at Adolescence Produces Persistent Hyperactivity and Neurocognitive Deficits in Adulthood. Frontiers in Neuroscience, 2021; 15:9-17.

3. Boutelle K., Wierenga C.E., Bischoff-Grethe A. et al. Increased brain response to appetitive tastes in the insula and amygdala in obese compared to healthy weight children when sated. International Journal of Obesity.2015;39:620–628.

4. DiFeliceantonio A.G., Mabrouk O.S., 2 3, Kennedy R.T., et al. Enkephalin Surges in Dorsal Neostriatum as a Signal to Eat. Current Biology. 2012; 22:1918-1924

5. Gorelick DA. The Rate Hypothesis and Agonist Substitution Approaches to Cocaine Abuse Treatment. Advances in Pharmacology.1997;42:995-997.

6. Juul F., Parekh N., Martinez-Steele E, et al. Ultra-processed food consumption among US adults from 2001 to 2018.The American Journal of Clinical Nutrition.2022;15:211-221

7. Knüppel, A., Shipley, M.J., Llewellyn, C.H. et al. Sugar intake from sweet food and beverages, common mental disorder and depression: prospective findings from the Whitehall II study. Scientific Reports.2017;7:6287.

8. Mello A.S., Quincozes-Santos A.; Funchal C. Correlação entre Hiperglicemia e Células do SNC, com Enfoque na Atividade Glial. Revista Neurociências.2011;2:294-301.

9. Tellez L.A., Ren A., Han W., et al. Glucose utilization rates regulate intake levels of artificial sweeteners. The Journal of Physiology.2013;22:5727-5744.


 
 
 

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